domingo, 5 de dezembro de 2010

De chuva, sol e sonhos


Quem está sentado no escuro do cinema, curtindo o ar-condicionado perfeito, comendo sua pipoca e deixando-se emocionar pelas imagens e sons que parecem saltar de uma enorme e brilhante tela, muitas vezes nem sequer imaginam os percalços que foram vencidos para que aquele momento acontecesse.
São semanas de filmagem, precedidas de meses de preparação e seguidas de outros muitos meses de edição, sonorização, pós-produção enfim, para que, durante 90 minutos, uma verdadeira mágica aconteça e toda uma história seja contada de forma visual e auditiva. Emocionar, fazer rir, levar a uma reflexão, seduzir, impactar, estes são algumas das características essenciais do cinema.
Mas nem sempre é fácil conseguir esse efeito.
Além de uma trama interessante e um roteiro muito bem escrito, de um elenco adequado e muito bem preparado, de profissionais competentes vindos de diversas áreas para fornecerem todos os aspectos práticos e técnicos necessários, há sempre que se contar com uma dose extra de bom humor para enfrentar-se situações mais ou menos inesperadas.
Com o "Meu Pé de Laranja Lima" também é assim.
Não é tão simples, quanto possa parecer quando assistido na grande tela, filmar-se em 4 cidades diferentes, em pelo menos 25 locações, sob um calor de 40°C e enfrentando dias de chuvas de verão. Exige muito planejamento e uma estratégia bastante eficaz transportar quase 100 pessoas, entre atores e técnicos, equipamentos pesados e extremamente delicados, por estradas ora poeirentas, ora alagadas. Criar, no meio do nada, condições para que as pessoas envolvidas tenham algum conforto, possam se alimentar, concentrarem-se em seus papéis ou funções, terem, enfim, condições de executarem seus trabalhos, é uma tarefa hercúlea e de suma importância. E essa, só para que todos saibam, é a função básica de Platô (do francês plateau, que significa, aplainar, tornar plano, estável, viabilizar que o terreno/locação possa ser usado nas filmagens). O Platô é aquela pessoa dinâmica, destemida, curiosa, observadora, organizada, incansável, pacientíssima, determinada, que sabe absolutamente tudo sobre o filme e que prepara antecipadamente todas as locações. Em um resumo muito simplificado, ele é o coordenador do set de filmagens, aquele que possibilita que o trabalho dos demais aconteça.
Semana passada tivemos muitos dias de intensas chuvas aqui na região da Zona da Mata de Minas Gerais. Isso, para um filme que não fala de monções, alagamentos ou enchentes pode transformar-se num sério obstáculo. "Time is money" e esse ditado popular é uma indiscutível verdade quando falamos de fazer cinema. Cada minuto, trabalhando ou parado, custa dinheiro e consome uma parcela do orçamento total da produção. Além disso, há que se pensar nos inconvenientes naturais causados por esse tipo de impedimento.
A equipe do "Meu Pé de Laranja Lima" também viveu seus momentos de dificuldades devido às chuvas que provocaram enchentes às margens dos rios e o consequente alagamento das estradas de terra que servem a região das filmagens. Perigo de atolamento, longos desvios por estradas vicinais em busca de alternativas de acesso, equipamentos e atores sendo transportados por trem, sol inclemente daqueles que surgem no verão após as chuvas, moscas e mosquitos teimando em cruzar na frente da câmera de filmagem, foram alguns dos problemas enfrentados por todos. Grandes desafios para quem é Platô.
Mas o que mais fascina, nessa nobre arte de fazer um filme, é o espírito que domina a todos. É a determinação, a força de vontade, o desejo e o prazer compartilhado por tantas pessoas no intuito de realizarem juntas, e apesar de todo e qualquer imprevisto, algo belo e bom. Do pessoal do catering, servindo refeições e lanches a toda hora, nas mais improváveis locações, passando pela figurinista e suas costureiras sempre prontas, com uma tonelada de roupas e acessórios, a ajustarem e vestirem os atores e figurantes, não importa onde se filme, até os jovens e menos experientes atores mirins, que se divertem vivendo essa nova aventura, há um elo comum que liga a todos.
"Meu Pé de Laranja Lima" é um grande filme baseado numa grande história. Não se deixem enganar pela aparente simplicidade da trama criada por José Mauro de Vasconcelos no final dos anos 60 e magistralmente  adaptada por Marcos Bernstein e Melanie Dimantas quase 50 anos depois. Ela fala de algo muito maior que as aparentes aventuras e problemas enfrentados por um garoto e sua família: ela fala de amor, de coragem, de superação. Fala de perdas e ganhos, de abandonos sofridos e do inevitável aprendizado do desapego. Nos faz recordar que a beleza e a alegria podem ser encontradas e vividas em pequenos gestos e palavras e que fantasia e realidade muitas vezes se fundem para que possamos ultrapassar dificuldades.
Olhando o batalhão de técnicos e atores no set de filmagem, ilhados numa estrada barrenta e sob um sol abrasador, todos alheios às dificuldades reais que a Natureza naquele momento impunha, era impossível não perceber o que move todas aquelas pessoas: amor. Amor por um sonho. Amor pela arte. Amor que se converte em fé. Todos eles acreditam que o que fazem irá iluminar, um dia, as telas e os corações de todos aqueles que se refugiam nas refrigeradas salas de cinema para sonharem o sonho de Zezé.

Imagem: vídeo realizado por Juliano Braz , parte integrante  do Making Of do "Meu Pé de Laranja Lima"

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